segunda-feira, 23 de maio de 2011

Saindo da alfabetização para o ensino médio – como os órgãos públicos podem melhorar a capacidade leitora dos alunos brasileiros?

Raíssa Paulino de Luna

Não é segredo que os alunos do ensino fundamental e médio participam de vários programas de avaliação – como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) – nem que os resultados apresentados por estes são insatisfatórios. Entretanto, a maior parte da população brasileira desconhece o quão crítica é a situação, apresentada, por exemplo, no relatório PISA 2000, cujo resultado nos diz que “dentre os alunos de 15 anos de 32 países diferentes, os brasileiros foram os que obtiveram os piores resultados na capacidade de leitura” (ROJO, 2009; p. 31) e o relatório do SAEB/2001, que atestou que 32, 11% dos concluintes do ensino médio possuem uma capacidade de leitura muito simples, como é explicado por Rojo (2009).

Esses e mais outros dados nos fazem perguntar por que esses alunos, num estágio já avançado da vida escolar, não lêem muito melhor do que liam na alfabetização? A resposta é simples: porque a escola ainda está presa ao chamado enfoque autônomo de letramento, cujo conceito nos mostra que “o contato (escolar) com a leitura e a escrita, pela própria natureza da escrita, faria com que o indivíduo aprendesse gradualmente habilidades que o levariam a estágios universais de desenvolvimento” (ROJO, 2009; pg. 99).

Nas aulas de Redação, quando o professor corrige um texto escrito pelo aluno, ele só verifica se há erros gramaticais e se o estudante seguiu a “fórmula” do gênero textual - seja este carta, reportagem, artigo de opinião, não interessa - que está sendo estudado. Algumas vezes aponta um problema que encontrou nos argumentos presentes nos textos, mas só diz “conserte isso, tire aquilo” sem realmente explicar, para futura referência, porque certa parte do texto não é adequada (só faz isso quando o aluno se interessa em perguntar), sem dar pistas e opiniões ao aluno sobre como pode melhorar o modo de se expressar e não conversa sobre o raciocínio por trás das afirmações que encontrou em tal produção textual. É como diz Rojo (2009) em seu livro Letramentos múltiplos, escola e inclusão social: “A escola – tanto a pública como privada – parece estar ensinando mais regras, normas e obediência a padrões lingüísticos de uso flexível e relacional de conceitos, a interpretação crítica e posicionada sobre fatos e opiniões, a capacidade de defender posições e de protagonizar soluções” (pg. 33). A autora, citando Bonini, ainda nos mostra que permanecem na prática docente do ensino fundamental e médio idéias ultrapassadas, como a noção de escrita como dom e de que o aluno deve ser guiado e não incentivado ao aprendizado, além da utilização de textos literários como o modelo padrão, técnicas de desenvolvimento de temas como a principal base do trabalho didático e mecanismos textuais na forma de regras ou rotinas pré-dadas e uma avaliação centrada em correção gramatical. Outro problema é a desconsideração por parte da escola de letramentos que fazem parte do cotidiano dos alunos, como o rap, o blog e o e-mail, esses dois últimos assuntos pouco aprofundados nas aulas de Redação, embora já tenham sido colocados como assuntos em alguns livros.

Essa realidade dentro da escola faz com que os estudantes brasileiros não estejam preparados para produzir boas redações nos exames, pois as propostas destes se apresentam mais exigentes do que as das escolas – ou assim achará aqueles que prestam tais exames. Ora, os alunos não estão preparados para esses sistemas/programas de avaliação e pronto. Os resultados que foram apresentados no primeiro parágrafo falam por si mesmos, nos alertam sobre a incapacidade dos alunos de escrever textos argumentativos de forma satisfatória.

Instituições de ensino que se utilizam de letramentos múltiplos e multissemióticos (noção de letramento voltada para o campo da imagem, da música, etc.) têm mais chance de apresentar bons resultados, pois trazer o cotidiano dos estudantes, algo que lhe é familiar e reconfortante, para a sala de aula, ajudará esse aluno a entender melhor o que está aprendendo, além de prepará-lo não só para a prova de redação dos exames, mas também para a vida, uma vez que estudar os letramentos múltiplos implica estudar os vários gêneros textuais presentes nas várias esferas de atividade (doméstica, acadêmica, artística, religiosa, burocrática etc.) presentes em diferentes culturas. A história dos “Escritores da Liberdade”, vista no filme de mesmo nome, é a prova viva disso, pois o desempenho dos alunos aumentou quando a professora trouxe para a sala livros com os quais eles se identificaram e, então, tiveram prazer em ler. Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, nos fala em transferir o cotidiano dos educandos para a sala de aula e em apreensão da realidade como meios de melhorar o ensino. Esse é o chamado enfoque ideológico de letramento, que vê “as práticas de letramento como inextricavelmente ligadas às estruturas culturais e de poder” (MARCUSCHI, 2001, pg. 27) e reconhece “a variedade de práticas culturais associadas à leitura e à escrita nos diferentes contextos”.

Apresentados, então, nos parágrafos anteriores os erros que os professores cometem ao ensinar, bem como a forma correta de lecionar, podemos encontrar uma solução para melhorar a situação aqui exposta no tocante à capacidade leitora dos alunos – e, consequentemente, os resultados das redações de exames como PISA, SAEB e ENEM: fazer as escolas adotarem o enfoque ideológico de letramento. Para isso, os órgãos públicos precisam criar mais programas que incentivem as escolas a adotarem esse perfil. Alguns programas, como Prolem (Projeto de Leitura do Ensino Médio), o Mais Educação e o Jovem 100% Leitor, já estão em vigor e ajudam a aprimorar técnicas de ensino, aprendizado e estratégias de leitura, entretanto a maior parte deles se concentra em um só Estado e é preciso criar outros que atinjam as escolas de todo o Brasil. Programas de formação continuada dos docentes que aborde esse enfoque de trabalho também não é uma má idéia. Se fizerem isso, há uma boa chance de o Brasil sair da lista de países com leitores/produtores de pouca proficiência e entrar para a lista dos melhores, de formar cidadãos cuja capacidade de leitura é excelente, de formar cidadãos competentes.

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