Denise
Lino
¹Se
tivéssemos uma esfinge e se ela falasse, não teria dificuldades de achar
contradições no país para apresentar em forma de enigmas aos viajantes (ou à
população em geral). Dentre elas, creio que provavelmente perguntaria: Em tese,
sou o mesmo para todos. Aos olhos públicos, tenho duas faces e sou passagem
para alhures. À luz dos fatos, porém, sou passagem só para alguns. Quem sou?!
Milhares
de jovens concluirão o ensino médio este ano. O que há de comum entre eles?
Quase nada, exceto o fato de serem jovens e de terem o “mesmo grau” de
escolarização. Para uma parcela deles, isto significa a possibilidade de fazer
um vestibular (ENEM) e dar prosseguimento aos estudos em nível superior, para
outros significa que, agora, estão prontos para entrar no mercado de trabalho
ou nele permanecer com menos chances de exclusão.
Frente a esse quadro, não é difícil constatar que, na prática,
esse nível de ensino tem dupla finalidade, ambas, quase sempre, mutuamente
excludentes. Uma é a de servir de trampolim ou de passagem para o ensino
superior. Normalmente isto ocorre com jovens oriundos dos grupos sociais melhor
posicionados na sociedade e egressos de escolas privadas, nas quais cursaram
não só o ensino médio, mas também o fundamental e a educação infantil. A outra
é a de ser o preparador oficial da mão de obra que alimenta os setores
secundário e terciário da cadeia produtiva. Essa finalidade se consolida, de
modo geral, em escolas públicas, nas quais estão os jovens oriundos das classes
sociais economicamente desfavorecidas, cujas famílias têm um retrospecto de
baixa escolarização e consequentemente de menor inserção nos setores produtivos
que exigem experiências diversificadas de letramento. Parte dessa segunda
parcela passa, ainda, por outro tipo de ensino médio – o profissionalizante -,
que nesse contexto não se toma aqui por melhor nem por pior, simplesmente por
outro.
Pender ora
para a formação propedêutica, com vistas ao ensino superior, ora para a
formação técnica, com vista ao mercado de trabalho, sempre foi o dilema do EM
no Brasil, cujo repertório de políticas públicas demonstra uma oscilação e
quase sempre incongruência entre elas. Ao longo do tempo, essas políticas se
encarregaram de acentuar o fosso entre duas certezas: de um lado, a de que às
crianças é preciso ensinar a ler, escrever, contar, fomentar-lhes os rudimentos
das ciências biológicas e exatas com vistas à aplicabilidade na vida prática.
De outro a certeza de que aos jovens está reservado o ensino superior, voltado
para a formação de profissionais liberais e pesquisadores. E, ao adolescente, o
que se deve ensinar? Deve-se prepará-lo para a universidade ou para o mercado
de trabalho? Ter o ensino superior como horizonte deveria ser uma garantia
constitucional neste país. Permanecer com o ensino médio e a ele associado uma
formação técnica deveria ser uma escolha pessoal. Afinal, um país não deve
nivelar por baixo a formação dos seus cidadãos. Exemplos no mundo inteiro,
entre eles o da Coréia, demonstram que investir em educação básica que leve ao
ensino superior é certeza de retorno em forma de desenvolvimento.
De acordo
com a LDB vigente, no artigo 35, parágrafo 1º., o EM tem como finalidade “a
consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos” . Para cumprir com o
ideal de ser a consolidação e o aprofundamento de estudos, é preciso que de
fato o ensino fundamental se consolide como local de aprendizagem de
conhecimentos, porque não se podem aprofundar conhecimentos sobre assuntos
nunca vistos. No entanto, creio que longe está o dia em que o ensino médio não
mais lecionará conhecimentos básicos. Por hora (mas não com conformismo),
cabe-nos ensinar e aprofundar conhecimentos, insistindo na formação ética e
crítica de sujeitos que devem aprender a ter autonomia no seu processo de
aprendizagem.
Nesse
cenário sofrível, mas não impossível de ser modificado, cabe ao ensino de
língua portuguesa, a consolidação de um saber de referência sobre o
funcionamento da língua em várias instâncias sociais (entre elas a da escola e
também a do trabalho, por que não?!) e cabe, ainda, a iniciação e o
aprofundamento de um estudo sobre a literatura brasileira, tendo como
referência tanto a produção recente quanto clássica.
Melhor é
ter um ensino médio que seja passagem de verdade para todos e, depois,
tenhamos, como disse certa vez uma professora com quem estudei no Doutorado,
motoristas de táxi que leram Machado de Assis, do que ter milhares de
reprodutores de ações que não sabem ler uma notícia.
¹Texto
escrito a partir das discussões realizadas na disciplina Prática de Ensino de
Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira, UFCG, em 2011.2 e 2012.1
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