quarta-feira, 11 de abril de 2012

Decifra-me ou te devoro! Papel do ensino médio no Brasil



Denise Lino

¹Se tivéssemos uma esfinge e se ela falasse, não teria dificuldades de achar contradições no país para apresentar em forma de enigmas aos viajantes (ou à população em geral). Dentre elas, creio que provavelmente perguntaria: Em tese, sou o mesmo para todos. Aos olhos públicos, tenho duas faces e sou passagem para alhures. À luz dos fatos, porém, sou passagem só para alguns. Quem sou?!

Milhares de jovens concluirão o ensino médio este ano. O que há de comum entre eles? Quase nada, exceto o fato de serem jovens e de terem o “mesmo grau” de escolarização. Para uma parcela deles, isto significa a possibilidade de fazer um vestibular (ENEM) e dar prosseguimento aos estudos em nível superior, para outros significa que, agora, estão prontos para entrar no mercado de trabalho ou nele permanecer com menos chances de exclusão.

Frente a esse quadro, não é difícil constatar que, na prática, esse nível de ensino tem dupla finalidade, ambas, quase sempre, mutuamente excludentes. Uma é a de servir de trampolim ou de passagem para o ensino superior. Normalmente isto ocorre com jovens oriundos dos grupos sociais melhor posicionados na sociedade e egressos de escolas privadas, nas quais cursaram não só o ensino médio, mas também o fundamental e a educação infantil. A outra é a de ser o preparador oficial da mão de obra que alimenta os setores secundário e terciário da cadeia produtiva. Essa finalidade se consolida, de modo geral, em escolas públicas, nas quais estão os jovens oriundos das classes sociais economicamente desfavorecidas, cujas famílias têm um retrospecto de baixa escolarização e consequentemente de menor inserção nos setores produtivos que exigem experiências diversificadas de letramento. Parte dessa segunda parcela passa, ainda, por outro tipo de ensino médio – o profissionalizante -, que nesse contexto não se toma aqui por melhor nem por pior, simplesmente por outro.

Pender ora para a formação propedêutica, com vistas ao ensino superior, ora para a formação técnica, com vista ao mercado de trabalho, sempre foi o dilema do EM no Brasil, cujo repertório de políticas públicas demonstra uma oscilação e quase sempre incongruência entre elas. Ao longo do tempo, essas políticas se encarregaram de acentuar o fosso entre duas certezas: de um lado, a de que às crianças é preciso ensinar a ler, escrever, contar, fomentar-lhes os rudimentos das ciências biológicas e exatas com vistas à aplicabilidade na vida prática. De outro a certeza de que aos jovens está reservado o ensino superior, voltado para a formação de profissionais liberais e pesquisadores. E, ao adolescente, o que se deve ensinar? Deve-se prepará-lo para a universidade ou para o mercado de trabalho? Ter o ensino superior como horizonte deveria ser uma garantia constitucional neste país. Permanecer com o ensino médio e a ele associado uma formação técnica deveria ser uma escolha pessoal. Afinal, um país não deve nivelar por baixo a formação dos seus cidadãos. Exemplos no mundo inteiro, entre eles o da Coréia, demonstram que investir em educação básica que leve ao ensino superior é certeza de retorno em forma de desenvolvimento.

De acordo com a LDB vigente, no artigo 35, parágrafo 1º., o EM tem como finalidade “a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos” . Para cumprir com o ideal de ser a consolidação e o aprofundamento de estudos, é preciso que de fato o ensino fundamental se consolide como local de aprendizagem de conhecimentos, porque não se podem aprofundar conhecimentos sobre assuntos nunca vistos. No entanto, creio que longe está o dia em que o ensino médio não mais lecionará conhecimentos básicos. Por hora (mas não com conformismo), cabe-nos ensinar e aprofundar conhecimentos, insistindo na formação ética e crítica de sujeitos que devem aprender a ter autonomia no seu processo de aprendizagem.

Nesse cenário sofrível, mas não impossível de ser modificado, cabe ao ensino de língua portuguesa, a consolidação de um saber de referência sobre o funcionamento da língua em várias instâncias sociais (entre elas a da escola e também a do trabalho, por que não?!) e cabe, ainda, a iniciação e o aprofundamento de um estudo sobre a literatura brasileira, tendo como referência tanto a produção recente quanto clássica.

Melhor é ter um ensino médio que seja passagem de verdade para todos e, depois, tenhamos, como disse certa vez uma professora com quem estudei no Doutorado, motoristas de táxi que leram Machado de Assis, do que ter milhares de reprodutores de ações que não sabem ler uma notícia.

¹Texto escrito a partir das discussões realizadas na disciplina Prática de Ensino de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira, UFCG, em 2011.2 e 2012.1

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