Andreza Caetano de Sousa
O livro “Lutar com
palavras: coesão e coerência”, da doutora em Lingüística Irandé Antunes¹, apresenta, além de sua temática, um título bastante interessante. A partir dele, somos convidados a pensar: quando é que lutamos com as palavras? Será quando necessitamos dispô-las organizadamente em um enunciado a fim de produzir-lhe algum sentido? Ou quando necessitamos extrair significação delas a partir de sua disposição ou natureza? Por que lutamos com as palavras? Não poderia entre nós, usuários e unidades da língua, estabelecer-se uma relação pacífica?

Com sua proposta inovadora, Antunes nos promete apresentar as bases de apaziguamento desta relação. Segundo Luiz Antônio Marcuchi², em sua apresentação do livro, esta obra representa a solução dos problemas de todos nós, escritores ativos, e mesmo dos leigos que por diferentes maneiras também se defrontam com a problemática de lidar com textos cotidianamente, pois nos indicará, por meio de uma linguagem relativamente simples, a fórmula ou a receita para que possamos construir bons textos (coesos e coerentes) sem que nos estressemos.
Consagrada pela sua preocupação com as questões do ensino de língua no Brasil, a autora procura “didatizar” suas considerações, em onze capítulos dispostos da seguinte forma: “O estudo da língua”, “A coesão do texto”, “Como se faz a coesão?”, “Procedimentos e recursos da coesão”, “Recursos da repetição”, “Recursos da substituição”, “A coesão pela substituição”, “A coesão pela associação semântica entre as palavras”, “A coesão pela conexão”, “A coesão, o léxico e a gramática”, “A coesão e a coerência”, e, por último, “Que a luta não seja vã...”.
No primeiro capítulo, são tecidas algumas considerações acerca das insuficiências do ensino de língua no Brasil, evidenciadas pelas dificuldades que os alunos, do nível médio e mesmo os universitários, apresentam em se expressar oralmente, em produzir textos relevantes, bem como em ler textos com eficácia. A estas defasagens, Antunes atribui o descaso para com as atividades de leitura e de escrita, na maioria das vezes, secundarizadas ao estudo da gramática ou, quando desenvolvidas, realizadas apenas com fins escolares, sem incitar interesses nos alunos que mal reconhecem quais são suas finalidades.
A escrita é apresentada pela autora como uma atividade interativa (pois considera o outro, para quem se escreve), cooperativa (pois necessita que os sujeitos envolvidos na produção, autor e interlocutor, ajam conjuntamente na produção/interpretação de sentidos), contextualizada (pois recebe influências do contexto social no qual está inserida), e necessariamente textual (uma vez que não proferimos sentenças isoladas, mas enunciados dotados de significação). Além disso, é considerada a intrínseca relação entre o ato de escrever e o de ler, uma vez que o primeiro é influenciado pela consideração do segundo, a partir do leitor.
Nos capítulos subsequentes, Antunes nos define o termo coesão, seguindo a perspectiva de continuidade textual sociointeracionista, como a propriedade pela qual se cria e se sinaliza toda espécie de ligação para que se mantenha a unidade temática ou a possibilidade de compreensão do texto, considerando o uso de qualquer recurso linguístico e extralinguístico, como as decisões relativas ao contexto social, cultural e cognitivo, que perpassam a estrutura ao considerarem o outro, o interlocutor. “Coesão não é apenas uma questão de superfície – os termos se vão ligando em sequência exatamente porque se ligam conceitualmente”. (p.50). Para funcionar um texto não necessita ter obrigatoriamente elementos coesivos em sua estrutura, mas permitir a compreensão, observa Antunes.
Como recursos coesivos são apresentadas as operações de repetir, de substituir, de usar palavras semanticamente próximas e de usar conjunções ou quaisquer outros tipos de conectivos. As duas primeiras operações compreendem procedimentos do domínio da reiteração, em que se recorre a um segmento anterior, mantendo algum elemento de sua forma, pela repetição, ou recorrendo à variação de nexo textual, pela substituição. Os procedimentos de associação de palavras pela proximidade semântica e de operação pelo uso de conectores ocorrem como os mais recorrentes, uma vez que aparecem mais claramente no plano da estrutura textual.
Contudo, considerando a repetição como recurso textual significativo e alargando o âmbito da conexão para incluir não apenas os nexos que se estabelecem entre termos, mas ainda aqueles que ocorrem entre períodos, parágrafos e até blocos maiores de um texto, o livro inova desmistificando idéias difundidas em muitos manuais de redação e gramáticas que tacham as repetições como marcas da oralidade que “mancham” os textos escritos e reduzem os conectores a um olhar puramente classificatório.
Em suas considerações acerca de coerência e de sua intrínseca relação com a coesão, apresentadas no décimo capítulo “A coesão e a coerência”, Antunes nos apresenta um belíssimo texto poético, de autoria anônima, cuja estrutura aparece destituída de qualquer linearidade ou sequenciação, a fim de nos questionar se nele existe coerência e se é possível em sua constituição recuperarmos alguma ponta de sentido, sem considerarmos a situação ou contexto em que foi escrito.
Diante de tal impossibilidade, compreendemos a necessidade de considerarmos a situação, o contexto em que o texto foi escrito para que ele possa nos dizer algo, para que possamos entender, por exemplo, que aos amantes, em tal condição, é possível “desligar a cama e deitar-se na luz”, como mostra Antunes, nos instigando a lutarmos constantemente e com incansável esmero para decifrar, ou pelo menos nos apresentar mais dispostos à busca no infindável e complexo universo das palavras.
Perpassando a apresentação dos meios com os quais podemos produzir textos relevantes, o livro “Lutar com palavras” rompe com os moldes gramaticais que delimitam, ainda, o estudo da língua presa em si mesma, reconhecendo que esta só se manifesta na forma de textos que, por sua vez, apenas se constituem como expressão de linguagem quando há interlocução, interação, relação social. Mais do que isso, o livro nos permite reconhecermo-nos como escritores capazes de produzir bons textos, mesmo que nos vejamos como seres destituídos dos “benditos dons” de proficiência.

¹Irandé Costa Antunes é doutora em Lingüística pela Universidade de Lisboa, com tese intitulada “Aspectos da coesão do texto – uma análise de editoriais jornalísticos”.
²Luiz Antônio Marcuchi é doutor em Letras pela Universidade Erlangen-Nurnberg (1988) e tem experiência na área de Lingüística , com ênfase em Teoria e Análise Lingüística.
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