terça-feira, 27 de abril de 2010

Ler e escrever

Diego Leite Severo


KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

Ler e escrever são duas práticas que no mundo contemporâneo, e até nos primórdios da vida humana, têm suma importância até para a convivência sócio-cultural de uma população. É notório que no país em que vivemos, mesmo com tantas políticas de erradicação do trabalho infantil, na intenção de colocar as crianças na escola para aprender a ler e escrever, e com o incentivo aos idosos, ou pessoas de meia idade, para que os mesmos aprendam nem que seja a ler e escrever tenha déficit educacional muito grande principalmente nessas duas práticas. Tais práticas, sendo refletidas na educação escolar primária, está entre duzentas e vinte páginas em “Ler e Escrever: estratégias de produção textual”, que de uma forma simples e didática, as principais estratégias de escrita estão à disposição dos produtores de textos bem como suas implicações na educação. Tratando ainda a escrita como sendo uma prática interacional (entre a língua e o escritor) e, por fim, colocando em pauta todos os recursos que são necessários ao “bem escrever” e que, independente deste, estão presentes em todo e qualquer tipos de produção.
Composta por oito capítulos, a obra apresenta um conjunto de exemplos comentados, e práticos (grifo meu), com a finalidade de demonstrar a aplicação dos conceitos teóricos abordados, favorecendo a compreensão do leitor. Mostra-se também textos de diversos gêneros, inclusive, muitas produções de alunos de séries distintas, procurando ressaltar as características de cada um deles.
Ingedore Grunfeld Villaça Koch, graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela USP(1956), graduada também em letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Castro Alves(1974) e doutora pela Universidade de São Paulo(USP), juntamente com Vanda Maria Elias, que é graduada pela Universidade de Pernambuco(1986), mestre e doutora pela USP, onde hoje é professora, constituem o corpo produtor de “Ler e Escrever: estratégias de produção textual”, que inicia com uma discussão sobre fala e escrita, o que constitui uma dificuldade em separar o gênero oral do escrito, levando os escritores a cometerem o freqüente “erro” de marca de oralidade. Textos com exemplos são veiculados, sobretudo por criança. Das marcas orais caracterizam-se repetições, uso de organizadores textuais típicos da fala e justaposição de enunciados sem qualquer marca de conexão explícita.
Chegando ao segundo capítulo do livro, KOCK & ELIAS (2009) colocam em pauta as três teorias sobre escrita até agora veiculadas e propostas. Com citações e teorias de diversos autores como: Marcuschi, Barré-de-Minac, Ferreiro e Teberosky dentre outros que se ocupam em dissertar sobre uma grande dúvida que KATO (1987, p.77) tenta nos explicar em: “O que fazemos quando escrevemos?”. Não diferente dela, as autoras de “Ler e Escrever” trazem essa perspectiva mostrando o foco na língua em que se considera o caráter normativo, logo após ele mostra o foco no escritor de modo que o mesmo “coloca no papel” o que ele tem em mente, sem objetivo algum. Podemos afirmar que existem, claro, essas duas propostas, porém, existe também a proposta que chamamos de interativa, em que entre a língua e o escritor há um mundo sócio-cognitivo muito vasto, e é nele que se pauta tal modelo, pois experiências de vida, modo como o escritor coloca em prática sua leitura e escrita, as agências e os eventos de letramento são contribuições para que não se estude imanentemente¹ a escrita. Ainda no segundo capítulo do livro temos os tipos de conhecimentos que são ativados quando se escreve. Os conhecimentos Linguísticos, enciclopédicos, de textos e interacionais são alguns exemplos. No primeiro (linguístico) temos o conhecimento da gramática da língua, no segundo(enciclopédico) do léxico, no terceiro(de textos) da questão intertextual (tratada no capítulo 5 da obra) e, por fim, os interacionais que são os conhecimentos históricos e culturais dos assuntos abordados na sua produção.
Na terceira parte da obra as autoras tratam dos gêneros textuais, como escrevê-los e para que servem. Desde Beaugrande, um mestre na Linguística de Texto, sabemos que os gêneros textuais são práticas enunciativas e sociais que exercem uma determinada função, e é isso que KOCH,de forma sucinta e numa majestosa sequência de exemplos de textos diversos (tirinha, HQ’S, cartas, bilhetes, poemas).
Adentrando no mundo das estratégias e recursos utilizados nos textos que vemos no nosso dia a dia, as autoras dedicam cinco capítulos da obra para dissertar sobre tal assunto. Uma delas apresentada no capítulo quatro é a contextualização ou o contexto, em que atrelado ao cotexto não é simplesmente o local ou o ambiente onde se está escrevendo, isso para KOCH & ELIAS é o cotexto. Vejamos: “Na fase inicial da Linguística de Texto, o contexto era visto apenas como o ambiente ou entorno verbal, ou seja, o cotexto” (p.78). Como vemos, na fase inicial não existia cotexto e só o contexto era visível, porém com os estudos mais recentes estabeleceu-se que assim como o texto, contexto é relativo², onde o leitor não é obrigado a saber que por trás de um texto, a situação que o permeia é “X”, no entanto tal situação “X” pode ser compreendida por um leitor “Y” e não por um “Z”, daí a denominação “relativa” dita acima. Deduzimos,pois, que o contexto é um aparato sobretudo cognitivo, e o cotexto, sim, o entorno verbal.
“Nenhum texto é único, ele sempre deriva de outro(s)”. Uma ótima oração para introduzir o que é tratado em “Escrita e Intertextualidade” (capítulo 5) as autoras chamam atenção para mais uma característica do processo de escrita e leitura(pois o leitor é quem avalia o texto) cognitivista, mostrando mais uma vez, que também o intertexto ou a intertextualidade depende da interação ou do processo sócio-cultural que o produtor/leitor tem, visto que não há como se adivinhar que texto há por trás do texto que está sendo veiculado se o leitor(no caso) não estiver de “posse” do intertexto no seu sistema cognitivo. O livro nos traz uma citação de BAZERMAN (2006:103), o mesmo fala que “[...] no ensino da produção escrita, chamar a atenção dos alunos para o fenômeno da intertextualidade, destacando que não se trata apenas de construir relações entre textos, mas, principalmente, do modo pelo qual se posiciona diante dos textos a que faz remissão.” (p.125)
O eixo temático final do livro discorre sobre os aspectos coesivos e coerentes da escrita, bem como, já que é um livro direcionado para alunos que provavelmente virão a serem professores, as suas implicações na educação. No caso da coerência, as autoras finalizam o livro com a injuntiva: “[...] a coerência deve ser tratada para além do que o texto nos revela em sua materialidade linguística explicitamente constituída.” (p.214).
Creio que tal obra era para ser veiculada no ensino médio, bem como GARCEZ (2002)³, por ser uma obra acessível a todos os níveis de escolaridade, porém, é lamentável que a educação brasileira seja tão restrita com relação a isso. Sobretudo,considero, aqui, a forma de abordagem de exemplos da obra que ,com grande maestria, soube diversificar sem perder qualidade conteudística.
¹ termo usado por Saussure para o seu estudo sobre a língua, estudar a língua por ela mesma.
² termo usado por Albert Einstein para caracterizar, na sua teoria da Relatividade, que “tudo é relativo” ou seja nada é igual ou permanente. ³Técnicas de Redação, Lucília Helena do Carmo Garcez, Martins Fontes, 2002.

2 comentários:

Williany disse...

Além de recente, este livro é também um material utilizado em sala. Atualíssimo, embora com muitas estratégias de facilitação (PIETRI, 2007) que não chegam a comprometer o plano da obra. Vale a pena ser lido na íntegra sim, concordo com você, Diego.

IARA PATRICIA FERREIRA DE SOUSA disse...

Preciso do 5º capitulo tem como vocÊ disponilizar?