sexta-feira, 29 de maio de 2009

O impacto da cultura escrita ocidental no comportamento da “costureirinha chinesa”

Elaine Reis

Em 1971, dois amigos são encaminhados pelo presidente dos camponeses revolucionários até as montanhas Fênix, na região de Tianguan-China, para receber reeducação, pois viviam na cidade em contato com a cultura burguesa do grupo reacionário, que fazia oposição aos ideais defendidos pelos camponeses.

Nesse período, esses rapazes Ma Jianling e Luo se apaixonam por uma camponesa conhecida por “costureirinha” e juntos roubam livros “proibidos” com os quais ensinaram a moça a ler. Esses livros retratavam a cultura escrita ocidental, condenada pelos camponeses revolucionários, que influenciou significativamente no comportamento desses jovens, e principalmente no destino da “costureirinha”.

“Balzac e a costureirinha chinesa”, lançado no ano de 2002(França/China) e em 2004 no Brasil, é um belo filme, não apenas por seu magnífico aspecto fotográfico ou pela explanação singela do quadro romântico, mas, principalmente, pelo fato de atribuir à escrita o caráter transformacional do sujeito.

A “costureirinha” era apenas uma moça simples e acomodada em seu “mundinho camponês” até o momento em que os livros de Balzac, escritor francês, tiraram à venda da ignorância que pairava sobre seus olhos e fezeram-na enxergar, através da escrita ocidental, um novo mundo cheio de possibilidades. Os romances de Balzac transformaram seu pensamento ingênuo em uso reflexivo da razão.

Para a protagonista, os hábitos e costumes à sua volta passaram a ser questionados através de seu comportamento. Em determinado momento da trama, a “costureirinha” teceu e passou a usar um sutiã, peça desconhecida, até o momento, pelas moças da redondeza, que chocou seu avô, pois enquanto exibia essa peça para suas amigas, mencionava a expressão “O homem selvagem só tem sentimentos. O homem civilizado tem sentimentos e idéias”, fruto das leituras dos livros estrangeiros.

Em seguida, viveu com Luo uma ardente paixão, totalmente proibida na época, primeiro, porque não era casada e segundo, só tinha 18 anos de idade e a Lei só permitia o casamento aos 25. Após dois meses, a “costureirinha” descobriu que estava grávida e com a ajuda de Ma se submeteu ao aborto, também ilegal sem uma certidão de casamento.

Por fim, o destino da “costureirinha” é surpreendedor. Ao esperarmos que a “mocinha” se encontre no enlace de uma pacata vida camponesa matrimonial, a protagonista, sob a alegação de que Balzac a ensinou que: “a beleza de uma mulher é um tesouro sem preço”, corta seus cabelos, passa a usar tênis e decide ir à procura de uma nova forma de vida na cidade.

Em “Balzac e a costureirinha chinesa”, percebemos a influência da escrita ocidental, numa perspectiva interacional, condicionante de comportamentos e atitudes que tornam o sujeito consciente de suas relações interpessoais e capaz de mobilizar todo o desfecho da narrativa. Diante disso, nos resta à incumbência de divulgarmos que vale a pena conferir esse cativante filme que, de forma emocionante, retrata o amor e a amplidão cultural através das letras.

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